A janela
Fazia algum tempo. Aquela janela entre aberta me perturbava. Na verdade, chamava a atenção aqueles livros aparecendo, me olhando. Era bonito de olhar. Era como se eu acordasse e em minha frente o mar.
E eu olhando, apenas de passagem a janela. Já que o caminho era rápido. Mas o segundo andar, aquelas duas janelas me instigavam. Não pudera eu acreditar que ali viveria alguém. Então, se não estivesse, o mesmo estaria viajando, mas não estava.
Depois de tantos anos, como pude só agora saber que ali vive um homem solitário? Sim. Um promotor de justiça aposentado por invalidez. Motivo: depressão profunda.
Mas como ainda não se suicidara? Em tantos anos morando no mesmo lugar, aquele apartamento sempre fechado, justo o apartamento da minha frente. Como não fui capaz de imaginar que um ser habita aquele ambiente escuro, mas repleto de vida, de livros?
Porque não me atinei a observar mais, apurar as conversas? Ora, ando tão ocupada. Já não bastam meus problemas, o pouco tempo, não perderei tempo olhando uma janela que me contempla com livros.
Sim, perderei tempo. Eu já perdi. Eu continuo perdendo. Volta e meia, vejo-me olhando para a janela, para os livros, para a sacada fechada o mundo escuro que aquele senhor habita.
Aquele mundo de quatro paredes que é dele. O seu mundo. As suas portas. As suas janelas. O seu ar. E o sol? E a chuva? A lua? De que forma ele vê?
Não sei. Talvez sol, chuva, lua para ele não existem já que ele fez seu mundo, obteve sua escolha, certa ou não. O mundo é dele. Feio sei que não é. Somente a janela com aqueles livros, o mundo que ali se fez é justo. A janela para o mundo e a vida nos livros.
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