11 de mar. de 2012

A seca

A seca

Sol e árduo trabalho. Céu azul. Uma pequena família sofre com a falta da chuva. A previsão para os próximos meses é a falta dela. Mesmo assim, o trabalho permanece. O galo canta. São quatro horas da manhã. Hora de levantar. No lugar onde tudo é silêncio e onde as estrelas brilham mais, famílias se fazem. A hora de acordar desperta também a esperança.
Balde na mão Dona Ivoni vai ao encontro das vacas, para delas tirar o leite fresco, mais tarde posto na mesa. Com ele, pão amassado pelas mãos cheias de rugas. Geléia de morango. Roscas. Tudo é caseiro e delicioso feito por aquelas mãos enrugadas.
O plantio de milho está perdido. O de batatas também. O verde do campo não existe mais, agora marrom. O açude está secando. Os bois magros. As vacas produzem menos leite. O chão duro. Os cachorros tristes e os gatos fugiram. A seca chegou e a família ficou.


Angélica Weise

7 de mar. de 2012

Trechos

Da série trechos de livros. Agora do escritor Miguel Sanches Neto. Ao acaso eu o conheci.
Mais tarde um post sobre ele e sua intervenção literária.

“Sobre uma banqueta de madeira, deixada ao lado de minha cama, estreita igual à dos demais solteiros, coloquei uma lata com flores silvestres, para que Jean Gelèac encontrasse ambiente agradável. Ele está com o grupo desde meados de 1891 e nunca teve mulheres, recusara o amor fácil de Narcisa, que mais espalhou a discórdia entre casados e solteiros do que amenizou a falta de fêmea. Tímido e jovem, um tanto romântico como sempre somos aos vinte anos, Gelèac tem se dedicado ao vício da virtude, resolvendo-se sozinho. Seu rosto está coberto de espinhas e, ao contrário dos homens casados, ou dos mais maduros, acostumados à solidão destas matas, ele tem a pele cor de papel e os olhos fundos, revelando ânsia de amor”
Trecho do livro “Um amor anarquista”

26 de fev. de 2012

trechos

Trecho do livro "Lugares que não conheço, pessoas que nunca vi" de CECILIA GIANNETTI

Temos os fantasmas que merecemos. Eles são feitos de coisas que não cabem aqui. Vieram sem anúncio e somente quando decidiram ir embora é que percebi o quanto sempre estiveram presentes, pois, até então, nunca haviam desaparecido. Estavam aqui e agora, se há matéria, é só palavra, papel, tinta – um fantasma no envelope fechado; um fantasma dobrado na gaveta. Que meia dúzia de palavras corajosas poderiam lhes escapar lá de dentro?

Temos o diário que merecemos. Ele é doce e partido, a promessa, a emoção do começo rápido!, antes que desapareça, é meu cada ponto de tinta em suas páginas, em que me imagino reportando misérias alheias. Recuperando peças que contam a história de uma civilização. Eu deveria erguer meu museu. A construção, no entanto, resulta rapeada, sampleada, em cacos – sua confusão mesma, o começo de outra civilização. Único lugar em que me imagino existir.

CECILIA GIANNETTI nasceu no Rio de Janeiro, em 1976. Formou-se em Jornalismo em 2003 pela UFRJ. Já trabalhou no Jornal do Brasil, na Tribuna da Imprensa, e atualmente contribui para a Folha de S. Paulo. Tem contos publicados em várias antologias como 30 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira, organizada pelo Luiz Ruffato, e também em revistas e blogs. Recentemente, Cecilia foi mandada para Berlim, participando do projeto Amores Expressos. O romance em decorrência da viagem ainda está em gestação, mas o blog narrando suas experiências demonstra sua amarga sensibilidade (http://blogdaceciliagiannetti.blogspot.com/).

Com informações de seu site disponível em: http://escrevescreve.wordpress.com/resenhas/

8 de fev. de 2012

Da série escritos 2

A janela

Fazia algum tempo. Aquela janela entre aberta me perturbava. Na verdade, chamava a atenção aqueles livros aparecendo, me olhando. Era bonito de olhar. Era como se eu acordasse e em minha frente o mar.

E eu olhando, apenas de passagem a janela. Já que o caminho era rápido. Mas o segundo andar, aquelas duas janelas me instigavam. Não pudera eu acreditar que ali viveria alguém. Então, se não estivesse, o mesmo estaria viajando, mas não estava.

Depois de tantos anos, como pude só agora saber que ali vive um homem solitário? Sim. Um promotor de justiça aposentado por invalidez. Motivo: depressão profunda.

Mas como ainda não se suicidara? Em tantos anos morando no mesmo lugar, aquele apartamento sempre fechado, justo o apartamento da minha frente. Como não fui capaz de imaginar que um ser habita aquele ambiente escuro, mas repleto de vida, de livros?

Porque não me atinei a observar mais, apurar as conversas? Ora, ando tão ocupada. Já não bastam meus problemas, o pouco tempo, não perderei tempo olhando uma janela que me contempla com livros.

Sim, perderei tempo. Eu já perdi. Eu continuo perdendo. Volta e meia, vejo-me olhando para a janela, para os livros, para a sacada fechada o mundo escuro que aquele senhor habita.
Aquele mundo de quatro paredes que é dele. O seu mundo. As suas portas. As suas janelas. O seu ar. E o sol? E a chuva? A lua? De que forma ele vê?

Não sei. Talvez sol, chuva, lua para ele não existem já que ele fez seu mundo, obteve sua escolha, certa ou não. O mundo é dele. Feio sei que não é. Somente a janela com aqueles livros, o mundo que ali se fez é justo. A janela para o mundo e a vida nos livros.

19 de jan. de 2012

Para Carmen

Ela se chama Carmen. Quarenta e quatro anos. Culta e branca. Olhos grandes que nem de coruja. Santa-cruzense, leitora.

E numa tarde ensolarada de poucas nuvens, no mês de janeiro na pequena sala do trabalho, contou rapidamente para as colegas, momentos de sua infância.

O brilho nos olhos de Carmen ao relembrar os primeiros anos de idade era nítido. Com a mão na orelha, contou que aos seis anos era escolhida para acompanhar as senhoras de idade aos passeios para o cemitério e os jogos no bingo.

- Por que isso Carmen?

- Eu era responsável por aquelas senhora. Eu cuidava daquelas senhoras. Se alguma delas passasse mal, como eu era novinha, eu poderia correr mais rápido e chamar pelo socorro.

As colegas de trabalho riram. Carmen acrescentou. Lembro com saudade, como se fosse ontem. Aqueles jardins grandes e bonitos. E os tinha só pra mim. Para eu correr, rolar, brincar. Sozinha. É. Eu era a única criança.

Recordo a recompensa em cuidar daquelas senhoras, era. Humm.. o suco de framboesa e sanduiches enormes preparados somente para mim. Eu me considerava importante. Pequena mas imensa nos sonhos.

Angélica Weise

10 de jan. de 2012

Da série escritos

Porta retrato


Abre-se a porta
Dobra-se a direta
Reto, a porta do quarto já aberta
E já se vê
Em meio a duas estantes de livros
Entre autores, escritores
Ele fica ainda mais bonito
Lá está ele com ela
A sintonia do quarto se completa
Com outras peças
Ele é o único daquele quarto
Ninguém tem outro espaço ali
O que ele vê, presencia, é um mundo
De sonhos, magias
Insônia, angústia
Ele pode se achar
É grande, bem moldurado e belo
O que contempla a moldura são dois personagens
Ali no mesmo instante juntos
Compartilhando um momento único
Eternizado na foto
E agora no porta retrato.

Autora: Angélica Weise – 02/01/2012
Escrito no verão em Agudo.

7 de jan. de 2012

Lembrança

De lembrança eu vivo.
De saudade ainda permaneço.

Angélica Weise

Abaixo o link para ver de uma cidade gloriosa que conheci. Assisi em Itália. A cidade de São Francisco.
http://www.youtube.com/watch?v=meSuNnYbBV4&feature=related